Em 16 janeiro de 2024, foi sancionada a Política Nacional de Atenção Psicossocial nas comunidades escolares, como foco na promoção da saúde mental e no engajamento da sociedade no combate à violência. O texto da lei traz a definição de comunidade escolar, os objetivos da política e as diretrizes para seu cumprimento nos âmbitos públicos e privados.
É muito interessante e até um alento a criação de políticas públicas relacionadas à preocupação com a saúde mental das comunidades escolares, mas fica o questionamento de qual é o papel da escola no cumprimento dessas leis.
Em primeiro lugar, é importante tirar o peso do cumprimento da lei por si só, mas encarar essa jornada como o real desafio que ela é: cuidar de pessoas integralmente. Nós, educadores, sabemos muito bem que o papel da escola é também social e não se baseia no acúmulo de conhecimento acadêmico.
O primeiro objetivo da lei é “promover a saúde mental da comunidade escolar”, e este objetivo está intimamente ligado ao letramento sobre o assunto e à criação de uma cultura de paz.
Com informações cientificamente verificadas sobre saúde mental e esclarecimento de informações incorretas sobre o tema, diminuímos o preconceito sobre ele e conseguimos conversas sinceras e bem informadas sobre saúde mental. É crucial, portanto, que os profissionais que atuam na escola, os pais e responsáveis pelos alunos ali matriculados e os próprios alunos tenham acesso a informações verdadeiras e confiáveis, assim como saibam interpretar o que leem e ouvem.
Nós alfabetizamos com o propósito de que os alfabetizados não saibam apenas ler palavras, mas sim ler o mundo!
Dr. Rodrigo Bressan, psiquiatra e professor livre-docente da Unifesp, autor do livro “Saúde Mental na Escola – o que os Educadores Precisam Saber.”, entre outras publicações, afirma que “é responsabilidade da escola cuidar de um clima não violento”, ou seja, estabelecer uma cultura de paz. E quais seriam algumas chaves para essa cultura na comunidade escolar?
Educação socioemocional: autoconhecimento e conhecimento das próprias emoções é essencial para adultos, jovens e crianças.
Comunicação não-violenta: escutar as pessoas de verdade, falar com a intenção real de comunicar algo e não machucar o outro.
Perspectiva de entendimento do outro: buscar entender quem é o outro e de que lugar o outro fala conosco.
Essas chaves nos abrem portas para permitir que os jovens convivam dentro da escola, e que, a partir desta convivência, eles possam aprender a observar limites, pontos de vista e hierarquias. Eles precisam de espaço para mediar conflitos e ter suas soluções para problemas ouvidas, para que assim possam enfrentá-los.
Dos profissionais da escola envolvidos nesse processo destacam-se dois papéis:
O papel do professor:
O professor tem um ponto de vista privilegiado. Também segundo o Dr. Rodrigo Bressan, o professor pode observar o aluno de forma longitudinal. Enquanto os pais ou responsáveis têm a visão única de seus filhos, o professor os observa em seu funcionamento social e tem a habilidade de identificar quando algum comportamento foge da funcionalidade “normal”.
Não cabe, dentro do papel do professor, a responsabilidade de tratar seus alunos, porém ele consegue, com seu olhar, identificar o que é incomum e comunicar pais e responsáveis, seus coordenadores e profissionais da saúde mental dentro da escola.
O papel do psicólogo escolar:
Para além do atendimento dos alunos, principalmente daqueles identificados pelos professores, o psicólogo escolar pode ser um excelente apoio para a comunicação entre a escola e a família, unindo vários pontos da comunidade escolar.
Em resumo, cumprir essa lei não significa que a escola vai mudar de rumos e passar a oferecer atendimento terapêutico de ordem psicossocial! O ponto-chave é cumprir com intencionalidade o papel da escola, que é a formação integral dos alunos e o impacto positivo gerado nas pessoas que fazem parte dessa comunidade.
Referências:
BRASIL. Lei Nº 14.819, DE 16 DE JANEIRO DE 2024. Política Nacional de Atenção Psicossocial nas comunidades escolares. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2024. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/L14819.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2014.819%2C%20DE%2016,Aten%C3%A7%C3%A3o%20Psicossocial%20nas%20Comunidades%20Escolares
ESTANISLAU, G. M.; BRESSAN, R. A. (Orgs.). Saúde Mental na Escola: o que os educadores devem saber. São Paulo: Artmed, 2004.